Pescadores do Futuro
Alunos de uma escola em Macaé, no Norte Fluminense, se divertem fazendo barquinhos em sala de aula. Pode parecer brincadeira de criança, mas é coisa séria. Eles participam de cursos sobre a profissão de pescador e ainda aprendem sobre navegação e construção naval.
Na escola de pescadores de Macaé, a música de Milton Nascimento e Chico Buarque é tema de sala de aula. “A gente usa, na escola, filmes, músicas, para que eles possam perceber o tipo de leitura que a gente faz da realidade em que a gente vive”, explica a diretora Tânia Pacheco. Os alunos adoram. “As atividades são muito legais. Eu gosto de tudo”, conta uma aluna. A escola municipal existe há três anos. São quase 500 alunos – a maioria, filhos de pescadores. O diferencial está na carga horária das aulas. A escola funciona em período integral e além de ensinar as disciplinas do Ensino Fundamental, a idéia é ocupar o tempo dos alunos com oficinas e cursos. Um deles é sobre navegação e construção naval. A partir de pequenos pedaços de madeira compensada, eles vão aprendendo pouco a pouco a construir um barco. São quatro anos de curso. Só encerra na oitava série. Os professores são estudantes de engenharia naval e dão a dica para ser um bom construtor. “Ele vai ter uma série de etapas no processo construtivo que vai ter que cumprir para que ele consiga ver a embarcação dele, mesmo que em modelo reduzido, pronta”, comenta o professor Jonatas Peixoto. Para Ronald, aprender sobre construção naval foi a realização de um sonho. “Sempre que eu via na televisão a construção de um barco, me interessava”, conta o aluno. O interesse não é exclusivo dos meninos. O pai da aluna Monique Paula Costa era pescador. A partir das aulas, ela conheceu um pouco mais a rotina dele e agora, já faz planos para o futuro – que ser engenheira naval. “Eu pretendo seguir essa profissão, ter conhecimento, saber um pouco mais sobre isso, e tentar seguir”, diz Monique.
Uma Escola, Um Sonho, Uma Realidade.
Fernando Amorim e Maria Helena Silveira, maio de 2006.
Introdução
Este foi o título escolhido pelos alunos da Escola Municipal de Pescadores para um Vídeo sobre a Escola realizado pelos alunos da UFRJ que trabalham nos projetos do Núcleo Interdisciplinar UFRJ Mar.
Este artigo é um relato dos resultados obtidos com a construção de um novo modelo de ensino e aprendizado nos três anos de existência da Escola Municipal de Pescadores. Uma escola técnica em tempo integral para alunos de 5ª a 8ª séries do ensino fundamental administrada em consórcio pela UFRJ e a Secretaria Municipal de Educação de Macaé. Nesta Escola os professores do núcleo profissionalizante são alunos de graduação e pós-graduação da UFRJ orientados e supervisionados por professores da UFRJ.
Um Breve Historio da Escola Municipal de Pescadores
O projeto para a implantação de uma escola voltada para o desenvolvimento da pesca, na qual se conjugaria o aprendizado da técnica pesqueira às exigências do ensino fundamental, foi idealizado em 1999.
Preocupada com os índices elevados de evasão escolar em Macaé, a Secretaria Municipal de Educação convidou a UFRJ para que ajudasse a encontrar soluções para o problema.
A partir desse convite foram surgindo várias idéias: seria preciso criar um modelo educacional inteiramente novo; um modelo atraente o bastante para que os alunos se sentissem realmente motivados a permanecer na escola. Certamente essa motivação seria um fator decisivo para que a evasão escolar deixasse de ocorrer em níveis tão acentuados.
A continuidade das discussões levou a perceber que os índices de evasão tornam-se mais acentuados no segundo segmento do nível fundamental, entre a sexta e a nona série — que coincidem com o período em que os jovens oriundos de famílias de baixa renda precisam começar a colaborar com o orçamento familiar. Seja porque seu sustento se torna mais dispendioso; seja porque cessam, a partir dos 14 anos, os impedimentos legais para o ingresso no mundo do trabalho; ou seja porque, a essa altura de suas vidas, esses jovens e suas famílias já se encontram prestes a deixar de ser beneficiários de programas de transferência de renda como o “Bolsa-Escola” (aos 15 anos) ou o “Bolsa-Família” (aos 16 anos).
A solução desse problema parecia ser a oferta de uma possibilidade de profissionalização ainda no primeiro grau. Foi então formulado o projeto inicial de uma escola que oferecesse formação técnica desde o nível fundamental, em regime de tempo integral; uma escola que oferecesse uma alternativa de qualificação e de profissionalização para os jovens alunos dessas séries, nesse momento em que se vêem sob o risco mais acentuado de precisar abandonar os estudos. Na ocasião, a análise dos altos índices de evasão escolar que se verificavam no município chamava a atenção para o conjunto de fatores que se somavam em desafio aos alunos e à sua capacidade de prosseguir com os estudos. Não se tratava de um conjunto inédito de entraves ― pelo contrário, o que se verificava em Macaé repetia o quadro de carências que marca o sistema público de ensino de todo o país e que contribui para entendermos os baixos índices de escolaridade da população.
Por um lado, o segundo segmento do ensino fundamental coincide com a entrada dos jovens na pré-adolescência, o que implica na descoberta de interesses e motivações juvenis muitas vezes desprezadas pela escola como possibilidades de intervenção e construção pedagógicas. Por outro lado, esse segmento marca também o reconhecimento, por parte do aluno, do grau crescente de dificuldade dos conteúdos a serem assimilados a partir dali, os quais hão de exigir dele um empenho e uma dedicação que se cresecem na razão inversa da qualidade da formação que lhe foi oferecida nos primeiros anos de contato com a escola.
Ocorreu-nos então que aquela motivação que faltava poderia ser promovida a partir da valorização da pesca artesanal, uma atividade de grande importância para a economia daquele município. A pesca ocupou o espaço do açúcar e do café, depois do declínio dessas culturas, no início do século XX, e foi a atividade econômica mais importante até a chegada da indústria do petróleo, no final dos anos 1970.
A pesca ainda tem grande relevância para Macaé; é da pesca que boa parte da população macaense retira seu sustento. Mas o conjunto das atividades relacionadas à pesca vem passando por um momento de declínio. Por vários motivos: a falta de qualificação dos pescadores; a falta de capacitação tecnológica para a captura do pescado; as deficiências no processamento do pescado; a baixa eficiência do manejo do pescado a bordo das embarcações, etc. Tudo isso faz com que a atividade seja menos competitiva do que outros centros pesqueiros, inclusive no que diz respeito à comercialização do produto. Sendo assim, a Escola de Pescadores de Macaé é uma iniciativa com a qual pretendemos promover a sustentabilidade da pesca artesanal no município de Macaé, ao mesmo tempo em que contribuímos para enfrentar também o problema da falta de tecnologia e da falta de capacidade organizacional dos pescadores de Macaé, que já haviam sido identificados em diversos diagnósticos feitos pela prefeitura.
Além das disciplinas habitualmente oferecidas nesse segmento do nível fundamental, a grade curricular da Escola de Pescadores de Macaé inclui Aqüicultura, Navegação, Ecologia, Remo, Organização do Trabalho e Construção Naval — disciplinas essas que são coordenadas por professores da UFRJ, com a participação ativa de cerca de 60 alunos de graduação e pós-graduação dos cursos de Belas Artes, Biologia, Educação Física, Engenharia de Produção, Engenharia Eletrônica e de Computação, Engenharia Mecânica, Engenharia Naval, Engenharia Química, Geografia, Letras, Matemática e Sociologia.
Esse modelo oferece a vantagem adicional de oferecer ao aluno da rede municipal de ensino um currículo que promove a consciência ecológica e que tem como perspectiva a valorização do ser humano e do meio em que vive, a um só tempo em que prepara e antecipa os princípios de qualificação necessários para o seu ingresso no mundo do trabalho.
Neste quarto ano de existência, os professores e demais membros da escola repensaram o conjunto de disciplinas e métodos de ensino, a fim de valorizar ainda mais a autonomia e a participação dos alunos no nosso programa educacional, fortalecendo os objetivos e valores estimulados pela escola ― dentre os quais se incluem a autonomia do educando, a solidariedade, a responsabilidade e a democracia.
Num primeiro momento, analisamos quais disciplinas poderiam ser trabalhadas em conjunto; em seguida, como poderíamos realizar atividades interdisciplinares que contribuíssem para a construção desses valores e objetivos, procurando unificar os saberes dessas diversas áreas, e pensando a escola não como um espaço de mera soma de parceiros hierarquicamente justapostos, com recursos quase sempre precários e a serviço de atividades meramente mecânicas ― mas como um espaço de formação social em permanente interação com o meio.
A Educação para o trabalho
A educação para o trabalho ainda é um grande desafio para os educadores no Brasil. Embora o trabalho seja um direito consagrado pela constituição, a maior parte dos currículos está voltada para outros direitos do cidadão. Não existe a preocupação de criar um currículo que prepare os jovens efetivamente para o mundo do trabalho. Na melhor das hipóteses, a concepção que é predominante hoje se limita ao treinamento de algumas habilidades motoras para o exercício de algumas funções específicas na produção.
O que sempre tivemos em vista com a criação da Escola de Pescadores de Macaé foi construir um modelo educacional completamente diferente, com o qual fosse possível cuidar ao mesmo tempo da formação do cidadão e do trabalhador, preparando os alunos para que eles sejam capazes de dirigir toda a cadeia de atividades produtivas relacionadas à pesca. Essa é uma forma que nos parece eficaz para construir o conceito de cidadania: estruturar a rotina escolar de modo que os alunos possam lidar antecipadamente com algumas das questões que lhes serão impostas pela rotina de trabalho, diante das quais eles terão de se posicionar tanto individual quanto coletivamente.
Sendo assim, o projeto pedagógico da Escola de Pescadores de Macaé é estruturado com base em projetos de caráter interdisciplinar, que são uma forma de romper com a prisão das grades curriculares, das disciplinas estreitas — que não conseguem dar conta da complexidade do mundo do trabalho, nem da complexidade dos currículos tradicionais. Não é um desafio pequeno.
A proposta de trabalhar, por exemplo, com construção naval, em uma escola de nível fundamental não é exatamente a de construir as habilidades necessárias à realização do oficio de construtor; não é, especificamente, treinar o aluno para ser capaz de construir barcos, ser capaz de realizar apenas esse trabalho. Mas que, a partir do trabalho de construção de embarcações, ele seja capaz de desenvolver sua autonomia como cidadão. Pode até ser que, ao fim do processo, ele desperte o interesse e já domine as habilidades necessárias para se reconhecer como um construtor. Mas, além da habilidade manual para fazer furos, aplainar, colar, ligar, moldar, etc, terá desenvolvido também habilidades intelectuais a respeito da resistência estrutural das embarcações, da resistência dos materiais, de hidrodinâmica ― o que representa um avanço no sentido de superar a dicotomia entre o trabalho manual e o intelectual, imposta pela indústria contemporânea. Mas, não fora tal pretensão, o trabalho na Escola de Pescadores de Macaé já nos oferece mostras suficientes do acerto da iniciativa, haja vista as inúmeras reflexões sobre as possibilidades de desenvolvimento de vários projetos. Não é exagero afirmar que aquela escola já se constitui como um vetor importante para a sustentabilidade das atividades econômicas elencadas pela cadeia produtiva da pesca naquele município, sobretudo por ser beneficiária privilegiada do impacto promovido pelo conjunto das intervenções levadas a efeito pelo Núcleo Interdisciplinar UFRJ-Mar na região.
Por força de nossa inserção na rede pública de ensino do município, vimos tendo a oportunidade de estreitar laços com o CEFET – Unid Macaé, com o objetivo de colaborar com o projeto de implantação de um programa de mestrado da instituição em Engenharia Ambiental; com a criação de um curso de nível médio com formação profissional técnica em pesca e aqüicultura; e com o desenvolvimento de um Sistema de Monitoramento Ambiental e da Atividade Pesqueira na Região de Macaé.
Cursos de 6ª à 9ª série do ensino fundamental com formação técnica.
Está em andamento, desde 2003, em tempo integral, com orientação politécnica, baseada numa proposta pedagógica que tem como metodologia o aprendizado a partir da prática. Desde sua criação, foram sendo incorporadas duas novas turmas a cada ano. Atualmente a escola atende a cerca de 270 alunos.
Projeto “Atividade Física, Saúde, Trabalho e Cidadania”
O projeto “Atividade Física, Saúde, Trabalho e Cidadania” atende prioritariamente ao público da escola, e, eventualmente, à comunidade externa. Esse projeto tem uma perspectiva transdisciplinar, e sua proposta pedagógica é desenvolver o conhecimento e a consciência do homem em movimento, envolvido em processos motores cotidianos e especializados, que são explorados a partir de disciplinas como “O Remo e a Criança”; “Atividade Física Intencional”; e “Saúde e Trabalho”.
Curso de Especialização em “Educação e Trabalho: uma contribuição para a cidadania plena”
Com duração de dois semestres letivos, o curso tem em vista sobretudo os professores da rede pública municipal, objetivando capacitá-los para o enfrentamento dos desafios da educação para o trabalho de jovens e adultos no ensino regular. As atividades da primeira turma tiveram início em outubro de 2005.
Complexo de Produção Tecnológica
Complexo de produção de produtos vinculados à cadeia produtiva da pesca, para atender tanto a necessidades específicas do projeto pedagógico desenvolvido na Escola de Pescadores de Macaé quanto dos projetos de pesquisa que tiveram início a partir do compromisso dos pesquisadores da UFRJ com a proposição de medidas que fortaleçam a cadeia produtiva da pesca naquela região — como é o caso dos projetos de Produção de Mexilhões, de Aqüicultura, da Cadeia de Beneficiamento de Pescado e da Construção de Embarcações.
Cursos de Ensino Médio com Formação Técnica
Com proposta pedagógica semelhante à desenvolvida na Escola de Pescadores de Macaé, temos programado para iniciar, ainda em 2006, um curso de nível médio com formação técnica. Esse curso será viabilizado através de uma parceria com o CEFET – Unidade Macaé.
Barco-Escola
Projeto que consiste no desenho e na construção de um barco que sirva como laboratório pedagógico para as atividades regulares da Escola de Pescadores de Macaé. Cada etapa de realização desse projeto (projeto, construção e utilização do barco-escola) servirá de referência de aprendizado para os alunos e demais membros da Escola de Pescadores de Macaé. Com esse projeto temos em vista promover a discussão e o aprimoramento das técnicas que, de modo endógeno, se constituíram como práticas da comunidade pesqueira da região, tanto quanto possibilitar a assimilação e a incorporação de novas tecnologias — seja no tocante à navegação, à construção naval ou à captura, manejo e processamento do pescado.
Um sonho, um projeto, uma realidade.... interdisciplinaridade"
Em Homenagem à memória do Prof. Fernando Amorim, que este ano completa 4 anos de falecimento, o NIDES vêm convidar a plantar uma muda de Pau-Brasil - árvore nativa de nosso país, no dia 02 de agostom no Hangar Náutico, às 14 horas.
Em continuidade às homenagens, estaremos em breve divulgando a criação do Grêmio de Remo Professor Fernando Amorim e o Lançamento de um Barco à remo, em parceria com a EEFD/UFRJ