Esse texto, escrito por Mariana Cyriaco, ex-bolsista do Soltec, contribui no debate trazido pelo Centro Acadêmico de Engenharia da UFRJ sobre a reprovação de 70% dos alunos em Cálculo 1 em 2018/1 (https://www.facebook.com/UFRJ.CAEng/photos/a.625381080880989.1073741828.624343327651431/1758435587575527/?type=3&theater).
Por Mariana Cyriaco
Volta e meia me pego divagando sobre a minha profissão. Sou engenheira, mas por muitas vezes tenho dificuldade em me identificar como tal, sendo duramente reprimida por vários amigos da engenharia. "Pô, você não tem orgulho de ser engenheira?". Tenho e não tenho.
Estudei em uma das melhores faculdades de engenharia de produção do país, compartilhei essa jornada com amigos inteligentíssimos. Mas comecei a faculdade como uma menina criativa e segura de si. Terminei duvidando muito da minha própria capacidade e me sentindo extremamente metódica e racional, quase burocrática.
Tive professores maravilhosos que me incentivaram a procurar soluções para questões reais, montar protótipos de produtos, trabalhar em campo com questões sociais. Mas a maioria das matérias que estudei se resumia a ter aulas medíocres com professores que se orgulhavam de reprovar 60% da turma. Acabar com a autoestima dos alunos parecia uma missão.
Muitos outros apenas davam palestras desinteressantes para alunos desinteressados e se limitavam a exigir presença. Li "Ensaio Sobre a Cegueira" na aula de Gestão da Qualidade. Fui proibida de ler em aulas de macroeconomia que duravam 4 horas e pareciam sessões infinitas de tortura. Escrevia cartas para mim mesma a fim de me manter sã. Era tudo tão chato e enfadonho, tive que enterrar minha criatividade para sobreviver.
Os professores exigiam disciplina, mas como ter disciplina sem antes ter paixão? Sou extremamente comprometida com as coisas que acredito, mas não consigo ser disciplinada simplesmente porque alguém mandou. Talvez esse sistema educacional sirva apenas para algumas pessoas, talvez, para poucas, mas definitivamente não serviu pra mim.
Por sorte fiz um mestrado - em uma área diferente, em um país diferente, com com uma linha de ensino diferente - que me lembrou que eu gosto de estudar. Eu podia escolher um tema que gostasse para trabalhar dentro de uma matéria específica. Eu tive liberdade de investigar as coisas que me interessavam, contanto que seguissem uma linha metodológica. Eu saí do mestrado querendo fazer um doutorado um dia. Querendo dar aula um dia. Querendo fazer uns 37 cursos de pós graduação e aprender sobre um montão de coisas da sociedade, da vida, da ciência, de mim.
Descobrir que eu gosto de estudar, redescobrir minha criatividade, tentar reencontrar minha auto estima em relação a minha inteligência foi um processo que me custou tempo e me custou dinheiro. A faculdade não precisava e não deveria ter destruído isso.
Se eu tenho orgulho de ser engenheira? Bem, acho que tenho orgulho de olhar para problemas de uma forma estruturada, da minha objetividade, da capacidade analítica. Mas isso não me serviria de muito, menos ainda de motivo de orgulho, se eu não tivesse desenvolvido outras competências que considero fundamentais, como a empatia, a vontade de olhar para o próximo e o comprometimento com o sociedade e o mundo em que vivo. Otimizar processos em uma fábrica e gerar redução de custos de milhões não me brilham os olhos se esse for o único objetivo.
A faculdade de engenharia precisa urgentemente trabalhar com o lado humano das pessoas. Precisa urgentemente canalizar a criatividade dos alunos rebeldes para solucionar problemas. Tantos inventores poderiam nascer dali. Tantos solucionadores de problemas complexos. Mas somos reduzidos a nada porque não nos adaptamos a esse sistema burocrático de educação. Porque somos indisciplinados, já que não conseguimos ter paixão. Cada vez mais vejo pessoas brilhantes indo embora da engenharia.
Em resumo, tenho orgulho da minha trajetória, mas não necessariamente da minha formação.