Novembro é o mês que marca as comemorações da consciência negra e é também o mês em que enfatizamos o quão invisibilizadas e silenciadas são as vozes, as memórias, as conquistas, a resistência, a ciência e a cultura negra, dentro de uma sociedade pautada por estruturas extremamente racistas.
Já estamos finalizando o mês, mas, é justamente por compreender que a luta contra essa invisibilidade deve ser travada durante todos os dias e todos os meses do ano, que o NIDES trouxe para destaque a vivência de três servidores negros, o Vitor, a Marta e o Carlos, no âmbito dos projetos que desenvolvem, dentro da estrutura da universidade e que muito traduzem as suas buscas em honrar as suas próprias histórias e ancestralidades.
Vitor Matos, chefe de gabinete do NIDES, contou um pouco de como está sendo todo processo da sua participação nas Comissões de Heteroidentificação da UFRJ. Como sublinha Vítor, a pauta racial, dentro de uma universidade federal brasileira, apresenta diversas demandas específicas, que vinham sendo negligenciadas na Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) ao longo dos seus 100 anos. Entretanto, com o advento da Lei federal n° 12.711/2012 (Lei de Cotas) e o decorrente crescimento do número de estudantes negros, o atravessamento de raça ficou cada vez mais evidente no corpo social, fazendo com que as demandas por políticas públicas para a população negra ganhassem força.
Vitor Matos |
Em detrimento da referida Lei estar em vigor desde 2012, a UFRJ sofria com um alto índice de fraudes às cotas, o que aumentou gradativamente a pressão para que fosse aplicado, em 2020, o procedimento de Heteroidentificação – que diz respeito à avaliação por uma Comissão do caráter fenotípico dos candidatos que se autodeclararam negros na inscrição do SiSU/MEC, confirmando ou não essa autodeclaração. Cabe ressaltar que esse processo também se dá nos concursos públicos para servidores da UFRJ, desde 2017, e para a apuração de fraudes no acesso à graduação, desde 2019. As Comissões Heteroidentificação são formadas de maneira diversa (com homens e mulheres, brancos e negros) e, sempre que possível, paritária quanto aos segmentos do corpo social da UFRJ (servidores docentes, servidores técnico-administrativos e, se para o acesso à graduação, estudantes). Para este trabalho, os componentes das Comissões precisam passar por um curso de formação sobre as relações raciais brasileiras, as Ações Afirmativas para a população negra e sobre a legislação que dá suporte à política de Heteroidentificação.
A fim de construir um espaço para discussão dos temas correlatos às cotas raciais, bem como para pensar e propor ações institucionais afins, foi fundada a Câmara de Políticas Raciais, que coordena o processo de Heteroidentificação, a formação dos futuros membros das comissões e atua em parceria com outros órgãos públicos, oferecendo sua expertise através de cursos, oficinas e palestras. Tudo isso de forma totalmente voluntária.
Fazendo parte de todo esse processo desde seu início, compondo as Comissões de Heteroidentificação e contribuindo nas oficinas e capacitações, Vitor conta perceber o efeito transformador que esta política teve no corpo social da UFRJ. "É notório que a compreensão sobre as especificidades do racismo e sobre as dinâmicas das relações raciais modificou-se, pessoa a pessoa, crescendo assim o compromisso institucional com a pauta antirracista. Pauta esta que ainda encontra muita resistência para seu avanço, especialmente nos colegiados superiores da universidade, mas que envolve a todos que participam das Comissões de Heteroidentificação, fazendo com que passem a ser ativistas da causa racial na UFRJ, com a paixão dos mais ferrenhos militantes".
Marta Batista |
Marta Batista, que atua na Diretoria de Planejamento do NIDES, além de coordenar o projeto de extensão Pré-Vestibular Popular (PVP) Educação para o Desenvolvimento Social, também integra as Comissões de Heteroidentificação. Desde 2018 vem atuando nas comissões responsáveis pelos concursos públicos, mas, a partir de 2021, passou também a atuar no ingresso de graduandos. Como fala Marta, ver e participar da implementação dessa política na UFRJ tem sido, além de uma experiência, uma responsabilidade muito grandiosa. Os diversos debates, cursos e ações formativas e autoformativas, organizados pela comissão, apesar da composição diversa, são coordenadas e protagonizadas por pessoas negras da UFRJ, militantes do movimento negro, o que faz com que a potencia da representatividade seja de fato, sempre reforçada neste espaço. Marta também enfatiza a grande participação dos servidores técnicos administrativos nesta empreitada e conta que, por mais que existam docentes e estudantes envolvidos, são os técnicos que compõem, em sua maioria, e impulsionam as ações na universidade, desde o início da implementação.
Moradora da Baixada, Marta atua no coletivo Minas da Baixada, um coletivo de mulheres da Baixada Fluminense, que se reunem com a proposta de discutir a pauta feminista pela perspectiva de classe, raça, gênero e território e organizam ações educativas em colégios públicos. Elas também se mobilizam politicamente no território e possuem como característica principal o atravessamento da raça e do racismo em todas as pautas abordadas. Como coordenadora do Projeto de extensão PVP do Soltec/Nides, Marta enfatiza a existencia de uma composição majoritária de estudantes negros, o que reforça a importância do caráter transversal dos debates realizados, que sempre incluem as questões de gênero e de raça.
Carlos Alexandre |
Carlos Alexandre, por outro lado, faz parte dos servidores docentes do NIDES e faz o uso dos arranjos acadêmicos para colocar em prática projetos de ensino, pesquisa e extensão que carregam em suas essências as pautas da educação, saúde, ancestralidade e desenvolvimento social. Com formação em Engenharia Ambiental, Língua Brasileira de Sinais, Saúde Pública e Meio Ambiente, Carlos define a si próprio como "um homem gay afropindorâmico em diáspora''.
Atualmente como Diretor de Ensino do NIDES, Carlos também atua como docente na graduação, sendo responsável pelas disciplinas Tecnologia Social e Gestão Participativa. Na pesquisa e extensão, Carlos se pauta especialmente na ancestralidade negra e indígena, na potencialidade da favela e periferia e na diversidade, e coordena dois grupos de pesquisa: O GPI (Grupo de Pesquisa Interdisciplinar em educação, saúde, ambiente e cultura africana, afro-diaspórica e indígena) e o GPPEPAE (Grupo de Pesquisa em Poéticas Eróticas e Pornográficas, Artes e Educação). Coordena ainda dois cursos de extensão ("Tecnologia Social em Saúde: as práticas integrativas e complementares" e "Pedagogia da Ancestralidade") e o projeto de extensão "Muda Maré: Educação Ambiental e Agricultura Urbana na Maré (@mudamare)", nascido do protagonismo estudantil e que tem como identidade política ser espaço de acolhimento, convívio e protagonismo de estudantes negres, indígenes, dissidentes de gênero, da comunidade LGBTQIAP+, que vivem com HIV/AIDS, com deficiência, além de mulheres, moradores de periferia e de favela. Fora isso tudo, Carlos ainda participa do grupo de estudos "Estudos Malungos"(https://www.estudosmalungos.com/ https://www.youtube.com/channel/UCM4M4vNz7b8gL65OtVBTmEA) e do Coletyvo Pyndorama (Coletyvo Popular de Pesquysa e Ensyno em Saúde, Ambyente, Tecnologya e Cultura Afro-Pyndorâmyca - https://www.pyndorama.net).
Os três, portanto, em suas diversas formas de atuação, representam hoje um movimento muito importante dentro da academia, aproximando a universidade da realidade social do Brasil e fortalecendo a luta para que as políticas afirmativas favoreçam a quem de fato e de direito, elas devam favorecer.